Mineração é a principal fonte de emprego e renda de Itabira, mas previsão atual da Vale é de que complexo minerário local tenha somente mais 17 anos de vida útil.
O poeta Carlos Drummond de Andrade já escrevia em 1984 sobre o que está previsto para 2041: o fim da mineração em Itabira, na Região Central de Minas Gerais.
Berço da Vale e terra natal do autor do poema “O maior trem do mundo”, Itabira começou a ser explorada pela mineradora na década de 1940. Só nos últimos 22 anos, mais de 878 milhões de toneladas de minério de ferro foram produzidos no município (leia abaixo).
Passadas mais de oito décadas, a projeção atual da mineradora é de que o complexo local tenha somente mais 17 anos de vida útil, o que deixa itabiranos apreensivos e fez a cidade começar a investir em novas atividades, como na criação de um polo universitário. Cerca de 82% da economia do município de pouco mais de 113 mil habitantes depende da mineração – especificamente, da Vale.
Além de Itabira, outras cidades mineiras que dependem da mineração convivem com a angústia da expectativa pelo fim das reservas de minério. É o caso, por exemplo, de São Gonçalo do Rio Abaixo, também na Região Central do estado.
O empresário Walde Andrade, proprietário de um hotel no Centro de Itabira, não gosta nem de pensar em um futuro sem minério. Em torno de 80% a 90% da ocupação do estabelecimento têm relação com o setor.
“De segunda a sexta, nossa ocupação maior é de funcionários da Vale e empreiteiras, no ano todo. Chega fim de semana, a gente tem um pessoal voltado mais para a área de turismo, visitação dos pontos turísticos aqui, por se tratar da cidade de Drummond”, contou.
Para ele, a diversificação da economia é urgente e, apesar das iniciativas em desenvolvimento pela prefeitura, está atrasada (leia mais abaixo).
“Minério só dá uma safra. A gente tem que preparar a cidade, a diversificação econômica já está passando da hora. Podemos fazer um polo industrial, estamos muito próximos de Belo Horizonte, a ferrovia poderia agregar, e pontos turísticos temos vários. […] Precisamos cortar o cordão umbilical entre Vale e comunidade”, disse.
O empresário Vinicius Cruz Moreira, proprietário de uma espeteria em Itabira, nasceu e cresceu ouvindo sobre a dependência da cidade em relação à mineração.
“Toda a vida, desde que me entendo por gente, a dependência é muito grande. Já era para empresas de outros setores terem vindo para cá há muito tempo”, afirmou.
Segundo ele, pelo menos metade do movimento da espeteria tem relação com a atividade.
“Se a Vale acaba hoje em Itabira, fica muito difícil para o comércio local, seja pequeno ou grande. Na pandemia, nós seguramos a onda, mas, na falta de uma empresa dessa proporção na cidade, eu acho difícil segurar. É muito preocupante”, disse.
Renda e emprego
Só no ano passado, a Prefeitura de Itabira arrecadou R$ 165,5 milhões de Contribuição Financeira por Exploração de Recursos Minerais (Cfem). O dinheiro é investido principalmente na saúde.
“Essa é uma angústia que existe na população de Itabira: perder a única fonte de receita e emprego de que a cidade dispõe. […] Esse medo realmente é latente, o medo de a cidade não sobreviver, ir para o esvaziamento, para o empobrecimento, como já aconteceu com outras cidades mineradas no Brasil e no mundo, de virar cidade-fantasma”, disse o prefeito Marco Antônio Lage (PSB).
A Vale também é a principal empregadora do município, com cerca de 11 mil trabalhadores, entre diretos e terceirizados. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Ferro e Metais Básicos de Itabira (Metabase), André Viana Madeira, a exaustão mineral deve ser tratada como uma responsabilidade coletiva.
“É um desafio constante, uma vez que temos uma mina em plena produção há 82 anos e, por estar em atividade há tanto tempo, muitos acham que o minério é infinito. No alto comando da Vale, estamos buscando a devida atenção e engajamento da empresa pelo nosso município. Todas as frentes precisam ser acionadas. […] Itabira não pode ser apenas um retrato na parede”, afirmou.
Mais de um século de exploração
A exploração mineral em Itabira começou antes mesmo da Vale. No início do século XX, com a implantação da Estrada de Ferro Vitória a Minas, uma empresa britânica começou a atuar na região, transportando minério pela ferrovia.
Ao se tornar presidente, Getúlio Vargas passou a defender a nacionalização das reservas minerais. E, em 1942, definiu as diretrizes para a criação da então Companhia Vale do Rio Doce, que “herdou” a linha férrea e passou a explorar o minério de Itabira.
Atualmente, o complexo da Vale – privatizada desde 1997 – na cidade é composto de sete minas, das quais quatro seguem em operação (Conceição, Dois Córregos, Onça e Periquito) e três estão inativas.
São mais de 3,3 mil funcionários próprios e outros 8,3 mil indiretos. No ano passado, mais de 31 milhões de toneladas de minério de ferro foram produzidos no município.
“O Complexo de Itabira é muito importante hoje para a Vale. O berço da Vale é aqui, é o complexo mais antigo da companhia e, em termos de produção, também é um dos de maior capacidade produtiva”, afirmou o gerente de geotecnia e hidrogeologia do complexo minerário, Miguel Paganin.
Comércio no Centro de Itabira — Foto: Setur-MG/Divulgação
Exaustão mineral
A projeção de exaustão mineral do complexo de Itabira em 2041 consta em relatório divulgado pela própria Vale em abril deste ano. A data ainda pode ser revisada.
“É um cálculo bastante complexo que leva em consideração a disponibilidade física do material, estudos geotécnicos e ambientais. Leva em consideração também as licenças ambientais que a gente precisa para implantar nossas estruturas, leva em consideração o mercado, o preço do minério tem que manter a viabilidade econômica. Também a questão tecnológica, o teor de ferro e uma série de outros componentes”, explicou o gerente do plano diretor ambiental e de integração operacional da mineradora, Glauco Gonçalves.
Segundo ele, internamente, o processo de desmobilização do complexo não começou – as estruturas continuam funcionando normalmente. A destinação futura da área ainda será decidida.
“Isso vai depender lá na frente, o que a gente vai ter de referência até do órgão ambiental, se isso vai ter algum tipo de aproveitamento econômico, se vai ter algum tipo de nova atividade, se vai ser uma área que vai ser implantada de preservação ambiental. Isso vai ser definido em conjunto, inclusive com a participação da sociedade civil”, disse.
Complexo da Vale em Itabira — Foto: Leonardo Milagres/ g1
A legislação prevê que todo empreendimento minerário precisa ter um plano de fechamento de mina (PFM). Esse documento deve ser apresentado à Agência Nacional de Mineração (ANM) e conter, entre outros pontos:
- histórico da área e das atividades de mineração;
- estruturas existentes;
- plano de desmobilização de instalações e equipamentos;
- plano de estabilização física e química das estruturas remanescentes;
- ações de manutenção e monitoramento das estruturas remanescentes após o encerramento do empreendimento;
- diretrizes para adequação da área ao uso futuro previsto.
“A legislação minerária brasileira deixa clara a obrigação do minerador em se planejar e executar adequadamente o fechamento de sua mina. Seja com a recuperação ambiental da área minerada, ou com a reabilitação do território, no sentido de ressignificar seu uso com base na sua melhor aptidão, de modo que possa trazer benefícios tanto para as comunidades afetadas, como para a própria empresa”, afirmou a ANM, em nota.
No entanto, segundo a própria agência, como as alterações na legislação e a regulamentação são recentes, “ainda não foram realizadas ações efetivas de fiscalização e controle sobre o planejamento e execução dos planos de fechamento de minas”.
“Espera-se que com a nova estrutura regimental definida pela Portaria ANM nº 170 de 21 de junho de 2024, a qual criou uma Coordenação específica para gerir e fiscalizar esses Planos na ANM, seja possível estabelecer um maior controle e gestão dos PFM’s”, destacou a ANM.
Preparação da cidade
Embora no complexo as atividades continuem normalmente, Itabira começou a se planejar para o fim das reservas minerais. No ano passado, a prefeitura lançou, com apoio da Vale, o “Itabira Sustentável”, programa com 61 projetos, divididos em 15 áreas, com o objetivo de reduzir a dependência do município em relação à atividade.
O primeiro resultado é um curso de medicina financiado pela mineradora na Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira (Funcesi) – uma das metas é tornar a cidade um polo regional de saúde.
Faculdade de medicina em Itabira recebeu recursos da Vale — Foto: Leonardo Milagres/ g1
Itabira também quer investir em logística, indústria, turismo e tecnologia. Veja alguns planos:
- duplicação da rodovia MG-434, que liga Itabira a BR-381;
- revitalização do centro histórico;
- criação de polo universitário, com aumento do número de estudantes do ensino superior de 5 mil para 20 mil;
- incentivo à agricultura sustentável;
- atração de indústrias de tecnologia.
“É um desafio, o tempo é muito curto. […] Ainda que a Vale revise esse prazo, é um projeto que não pode parar, porque um dia vai acabar o minério, então, a cidade tem que estar pronta, preparada, e isso se faz neste momento. Depois que acabar, não adianta mais”, afirmou o prefeito Marco Antônio Lage.